É BIRRA OU UM TRANSTORNO PSICOLÓGICO?

birra infantil

Cuidar e educar os filhos não é uma tarefa nada fácil. Lidar com as birras é um desafio para os pais. A birra é um comportamento comum em uma fase do desenvolvimento das crianças — quando elas ainda são muito pequenas e não conseguem argumentar. São aquelas famosas crises de choro e raiva que a criança demonstra, geralmente porque deseja muito alguma coisa e não pode ter. Às vezes essas crises são para chamar a atenção. E tudo piora quando estão cansadas, com fome ou chateadas. No entanto, é preciso diferenciar birra de Transtorno Opositor Desafiador, em que o comportamento agressivo se torna desproporcional…  

As birras começam por volta dos dez meses e geralmente acabam bem antes de atingir os 4 anos de idade. Trata-se de um comportamento normal, que faz parte do seu processo de maturidade. Nessa fase, ela não tem meios estruturados para discutir e argumentar com o adulto. Então levará um tempo para a criança entender o que é certo e errado.

Já a criança com TOD (transtorno opositor desafiador) não consegue elaborar bem situações em que é contrariada e o quadro não se modifica com o tempo (sem intervenção), como ocorre com a birra – ela tende a piorar. Esse comportamento inadequado dura mais de 6 meses. De modo geral, as alterações comportamentais iniciam-se por volta dos 4 a 6 anos, sendo mais prevalente O TOD é mais prevalente no início da pré-adolescência e adolescência entre 8 a 11 anos, com posterior melhora. Porém, há casos que seguem até a vida adulta.   

As causas do TOD ainda não foram bem definidas. Estudos mostram que o cérebro de quem tem TOD apresenta uma instabilidade nas áreas de autorregulação emocional para cumprir atividades que não são do seu desejo e o indivíduo acaba tendo desequilíbrios, levando a comportamento disruptivo. O ambiente social e familiar são importantes causadores do problema, como quando a criança não tem uma rotina de disciplina ou que não foi ensinada a se frustrar. São frequentes os problemas envolvendo relacionamento social, condições escolares, formas como a família assume e educa a criança, violência doméstica, comportamentos agressivos no campo familiar, situações estressantes. Os modelos de criação parental extremista, ou seja, pais muito permissivos ou opressores, também podem ser fatores facilitadores.  

Quando suspeitar de TOD:

  • a criança exibe comportamentos agressivos, irritadiços e impulsivos com mais frequência do que outras
  • a criança se opõe a tudo e a todos sempre desafiando, principalmente as figuras de autoridade; não aceita ordens, não respeita os sentimentos dos outros, não se responsabiliza pelos erros que cometeu e não tem medo de ser punida pelos pais ou responsáveis
  • a reação emocional é extremamente exagerada. Eles chegam a quebrar objetos da casa, desestabilizar a família e a escola, porque as reações são desafiadoras
  • as crianças chegam a tomar atitudes maldosas, usando palavras de baixo calão e fazendo chantagem emocional.
  • apesar de conseguirem se socializar bem, no geral tem uma dificuldade para fazer amigos e principalmente para manter essas amizades, porque as crianças são mais impulsivas, são muitas vezes maldosas e não acatam regras
  • tem problemas na escola, além de ter seu funcionamento geral comprometido por suas atitudes desafiadoras
  • tem problemas de aprendizado e de baixo rendimento escolar
  • muitas vezes sofrem bullying, são excluídas dos convites para as festas e brincadeiras em casas de amigos
  • é comum sofrerem certa rejeição dos outros pais e até mesmo dos parentes. Assim, a família acaba evitando eventos e situações de exposição e preconceito

Existem três comorbidades frequentemente associadas ao diagnóstico de TOD, que inclusive intensificam seus sintomas e devem ser tratadas em conjunto:

  • TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade)
  • TEA (Transtorno do Espectro Autista)
  • Transtorno Bipolar

O reconhecimento médico precoce do TOD é imprescindível para que o problema passe a ser administrado e a criança ou adolescente ganhe mais qualidade de vida. Quanto mais cedo o diagnóstico e o início do tratamento, melhor será o prognóstico. Todo tratamento é multidisciplinar, e cada paciente é único e necessita de acompanhamento específico.

O tratamento depende de três eixos: medicação, psicoterapia comportamental e suporte escolar:

  • a medicação auxilia boa parte dos pacientes e melhora a autorregulação de humor frente às frustrações. A maioria dos pacientes precisam ser medicados, porque os pais já estão em situação de estafa, têm dificuldade de se expressar como autoridades e, se não medicar, eles não conseguem voltar à ordem natural das coisas. A medicação ajuda a melhorar a flexibilidade emocional frente às primeiras intervenções comportamentais
  • a psicoterapia deve centrar em mudanças comportamentais na família com medidas de manejo educacional, como dar bons exemplos, dialogar com a criança, demonstrar paciência ao falar, explicar o motivo das ordens dadas. Na hora da crise de raiva, os pais não devem conversar nem discutir, porque a criança está impermeável a qualquer palavra que é dita a ela. Tem de dar tempo para ela se acalmar. Respeitar o tempo para se decepcionar e ter raiva e manter o que foi ordenado. Com isso, ela vai vendo que não adianta ter as reações explosivas. Com isso, vai ver que as crises de raiva não vão ter resultado. Como a pessoa com TOD tende a ter essas atitudes difíceis, os pais têm de falar a mesma língua. A questão da inconsistência dos pais é algo urgente e que precisa ser resolvido. É muito comum as situações em que um dos pais acaba desautorizando o outro na frente da criança. De nada adianta tratar a criança se os pais não passarem por um tratamento também. E se um fala não, o resto da família também precisa falar não. Tem de ser direto, objetivo, claro e sem dar espaço para contra-argumentações opositoras. É necessário que os pais expliquem as regras de forma muito clara, não de forma impositiva, mas de um jeito que o filho compreenda o que é esperado dele.
  • em relação a escola, os pais devem falar o que o filho tem, as questões de medicação e terapia, indicar bibliografia para a escola. O professor deve agir na escola como os pais agem em casa. O suporte escolar é imprescindível – deve-se oferecer apoio, reforço e abertura para um bom diálogo, o que melhora o engajamento do aluno opositor às regras escolares, afastando-o de situações nocivas.

É preciso evitar chegar (sem acompanhamento) na adolescência. É muito mais fácil intervir antes dessa fase, porque os jovens são naturalmente opositores. O transtorno aumenta o risco de delinquência, de envolvimento com más companhias, de uso de drogas e iniciação na criminalidade, além de fugas de casa. Se for feito um trabalho até os 9, 10 anos, evita-se que essas situações venham a acontecer.

Não existe um tempo de tratamento preestabelecido: tudo vai depender da gravidade do quadro, de patologias associadas e da disponibilidade da família em implantar as mudanças. Não se fala em cura, pois alguns quadros na infância e na adolescência podem persistir na vida adulta, trazendo grandes prejuízos, ou evoluir para o Transtorno de Conduta, que é uma condição mais severa que o TOD. O que se espera com o tratamento é um controle dos sintomas e uma melhor adaptação social e escolar. A família também tem seu papel e, embora sensível, também precisa se mostrar firme. Existem coisas que não podem ser negociadas.  

Com a dedicação da família, a parceria da escola, o empenho no tratamento e, quem sabe, um olhar mais compassivo da sociedade, o TOD não precisa ser um empecilho para a concretização de objetivos e uma vida enriquecedora

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